A menos que você tenha a memória da Dory, aquele peixe-palhaço azul do filme da Disney “Procurando Nemo”, conhecida por seu problema de perda de memória recente, o que a torna um personagem muito querido e engraçado na história, vai se lembrar que no ano passado quem colocou o mercado para cima foram os fundos especuladores independentemente de os fundamentos não apontarem para aquele nível estratosférico. Quem lembra dos nossos comentários da época sabe bem qual era a nossa visão daquela fantasia altista. Pois é.
Agora, os fundos, provavelmente com os bolsos bem cheios depois de ganharem muito dinheiro no cacau, no suco de laranja e no café, podem brincar um pouco com o açúcar, não é mesmo? As exportações de açúcar do Brasil nos últimos doze meses têm mostrado que não parece haver problema com a disponibilidade do produto, logo, os fundos estão bem fundamentados. O Brasil inundou o mundo de açúcar e está sobrando produto e, consequentemente, os preços têm que refletir isso.
Para reforçar essa posição, não parece causar nenhuma preocupação o andamento da moagem no Centro-Sul. Com uma moagem recorde acumulada de 281 milhões de toneladas de cana até a primeira quinzena de julho, é natural que os fundos – talvez ignorando a finitude da cana – projetem numa regra de três básica que vamos chegar a 625 milhões de toneladas no final da safra. E, se isso fosse possível, a produção de açúcar poderia chegar a 43 milhões de toneladas. Mais um fator que corrobora com a visão baixista deles.
No entanto, existem pontos que podem estar sendo ignorados. Uma parte dessa pressão nas cotações do açúcar em NY foi oriunda da desvalorização forte que o real sofreu frente à moeda americana. Pelas nossas projeções, o preço do açúcar para a 25/26 está defasado em 150 pontos em função dessa desvalorização e dos contratos de NDF (Non-Deliverable Forward), um contrato a termo de moeda com liquidação financeira, que incentivam as usinas a fixarem seus açúcares.
Voltemos ao Centro-Sul. O consenso do mercado é de uma safra ao redor de 605 milhões de toneladas de cana. No entanto, o clima seco no interior está alarmante. Quem passa pelas estradas que cortam algumas regiões do estado de São Paulo se depara com um canavial seco. Pela média das últimas seis safras, o acumulado da primeira quinzena de julho acabou representando cerca de 44% de toda a cana moída no respectivo ano. Ou seja, em tese ainda temos 56% de safra para ser colhida. Se considerarmos uma queda (muito otimista) de apenas 10% do canavial ainda a ser moído, chegaríamos nos 605 milhões de toneladas de cana com o qual a maioria trabalha.
Vamos ter que aguardar como se comporta o tempo até meados de setembro para qualificarmos a dimensão dessa perda em função do déficit hídrico. Se o canavial tiver uma queda de 15% (possível), a moagem final chega a 586 milhões de toneladas de cana. E é isso que o fundo não está enxergando.
Poder-se-ia ainda jogar para a discussão o fato de a Índia dificilmente estará de volta ao mercado de exportação antes de março do próximo ano. Além do que, os preços internos tanto na região de Uttar Pradesh quanto na de Maharashtra estão acima do preço de NY.
O câmbio apreciou e o dólar fechou a semana cotado a R$ 5,5089 com valorização acumulada de 2.78% e esse pode ser um fator de estabilidade de preços para o açúcar, trazendo maior suporte para NY. Uma eventual redução na taxa de juros pelo FED é positiva para as commodities.
O mercado futuro de açúcar encerrou a semana praticamente inalterado. O contrato com vencimento para outubro/24 a 18.54 centavos de dólar por libra-peso, apenas 6 pontos de alta em relação à semana anterior. Os valores do açúcar convertidos em reais por tonelada se retraíram em quase 70 reais por tonelada.
Voltando aos fundos, acreditamos (já dissemos isso antes) que a posição deles é vulnerável e poderá trazer desconforto resultando numa cobertura de posição vendida nos moldes que os fundos estão acostumados a fazer. Com aquele pânico habitual. É melhor ficar esperto.
Nosso colaborador Marcelo Moreira, comenta que o “out-24, após negociar na mínima do ano a 17.64 centavos de dólar por libra-peso (com a ajuda da desvalorização do R$ que chegou a negociar na segunda-feira a 5.88 R$/US$), encerrou a semana a 18.48 centavos de dólar por libra-peso. O suporte importante continua sendo o piso da banda de Bollinger dos 50 dias a 17.68 centavos de dólar por libra-peso, com resistências a 19.09 e 19.54 centavos de dólar por libra-peso. Já o Julho-25 encerrou a 17.66 centavos de dólar por libra-peso e encontra suporte a 17.21 centavos de dólar por libra-peso, com resistências a 18.27 e 18.74 centavos de dólar por libra-peso. Rompendo os 17.21 centavos de dólar por libra-peso, abrirá espaço para buscar os 15.90 centavos de dólar por libra-peso”.
É quase inacreditável como as empresas – independentemente do tamanho – negligenciam a gestão de risco e todos os procedimentos de conformidades que dela fazem parte. Esta semana a imprensa noticiou que uma empresa de fertilizantes multinacional perdeu US$ 220 milhões no segundo trimestre com contratos de derivativos cambiais feitos com instituições financeiras no Brasil por uma pessoa não autorizada a realizar essas operações. Histórias como essa pululam todos os dias no mundo corporativo. São operações estruturadas especialmente desenhadas para desestruturar a empresa, são fraudes com o conluio de agentes internos e internos que subtraem milhões de dólares dos cofres das empresas, são derivativos que eram supostamente destinados a fazer a empresa respirar melhor o momento financeiro, mas atuam como uma botina apertando o tubo de oxigênio. Uma das falhas que se percebe nas empresas – e isso não é privilégio do Brasil – é a falta de formação e capacitação profissional adequadas para olhar para essas operações com olho crítico e enxergar além do “custo zero”.
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Tenham todos um bom final de semana!
Arnaldo Luiz Corrêa